Coração de Tinta, de Cornelia Funke

Meggie passou a mão na capa, como sempre fazia antes de abrir um livro. Ela copiara esse gesto de Mo. Desde que se entendia por gente, ela se lembrava deste movimento: como ele pegava um livro, passava a mão pela capa quase carinhosamente e então o abria, como se fosse uma caixa repleta de preciosidades nunca antes vistas. Naturalmente, as maravilhas que ele esperava encontrar muitas vezes não estavam atrás da capa, então ele fechava o livro de novo, desapontado com as promessas não cumpridas. Mas Coração de tinta não era desse tipo. Histórias ruins não despertavam para a vida. (pág 430)

Eu adoro livros que têm livros como parte do assunto principal, logo Coração de Tinta me agradou em cheio.

Há muito tempo Mo decidiu nunca mais ler um livro em voz alta. Sua filha Meggie é uma devoradora de histórias, mas apesar da insistência não consegue fazer com que o pai leia para ela na cama. Meggie jamais entendeu o motivo dessa recusa, até que um excêntrico visitante finalmente vem revelar o segredo que explica a proibição.

É que Mo tem uma habilidade estranha e incontrolável: quando lê um texto em voz alta, as palavras tomam vida em sua boca, e coisas e seres da história surgem como que por mágica. Quando Meggie ainda era um bebê, a língua encantada de Mo trouxe à vida alguns personagens de um livro chamado ‘Coração de tinta’. Um deles é Capricórnio, vilão cruel e sem misericórdia, que não fez questão de voltar para dentro da história de onde tinha vindo. Capricórnio quer usar os poderes de Mo para trazer de Coração de tinta um ser ainda mais terrível e sanguinário que ele próprio. Quando seus capangas finalmente sequestram Mo, Meggie terá de enfrentar essas criaturas bizarras e sofridas, vindas de um mundo completamente diferente do seu.

Eu já tinha lido outra obra da Cornelia Funke antes (O Senhor dos Ladrões, que achei só ok) e fiquei meio receoso que esse fosse na mesma linha infantilizada demais. Sim, é um livro mais para o lado do infanto-juvenil, mas a trama e os personagens são bem interessantes. O estilo de Cornelia aqui é bem agradável, o texto é claro e flui bem, mas sem ser simplista demais. A história em si é meio arrastada no início, mas vai ficando bem interessante e com umas idéias bem legais. Pra mim o maior destaque foi como Cornelia conseguiu encontrar solução para as variadas confusões que acontecem durante a trama, achei bem sagaz. Mas no fim das contas não passa muito de um ‘bem contra o mal’, o que não é tão ruim quanto parece.

O maior problema em Coração de Tinta pra mim foram os personagens. Sim, eu gostei da maioria deles, mas eles são estereotipados demais e bem subdesenvolvidos. Meggie e Mo, por exemplo, não têm tantas características assim que os tornam únicos. Os vilões, principalmente Capricórnio, têm motivações tão vazias que fica até meio forçado em alguns pontos, por mais que teoricamente existe uma explicação para isso. Ao menos temos Elinor e Dedo Empoeirado, os personagens que de alguma maneira desenvolvem um pouco. Outro problema é um certo ar de repetição pela trama, principalmente por conta da segunda metade ter muitos pontos em comum com a primeira metade da história no que diz respeito aos acontecimentos.

Algo que achei bem legal é que todo capítulo começa com uma citação de algum outro livro como ‘O Senhor dos Anéis’ e ‘Peter Pan’ (citações essas que têm a ver com o conteúdo do capítulo), com belas ilustrações da própria Cornélia no fim dos capítulos.


No fim das contas ‘Coração de Tinta’ foi uma leitura bem agradável e divertida. Com certeza vou ler as duas continuações.

6 comentários em “Coração de Tinta, de Cornelia Funke”

    1. Olá Dri,
      Acho que você me entendeu mal… Não que os personagens sejam mal caracterizados, pelo contrário, o que achei é que que eles todos poderiam ser desenvolvidos um pouco mais além dos estereótipos sugeridos 🙂

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